O desafio de empreender em um dos países mais burocráticos do mundo

28 Julho, 2020

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Empreender em um dos países mais burocráticos do mundo continua sendo um grande  desafio, mesmo com as recentes tentativas de avanço. 


Hoje, vivemos uma situação inusitada no meio empreendedor, em que há um único propósito, mas duas realidades: a positiva, que busca o moderno e o útil à sociedade, e a negativa, que joga contra nossa evolução. 


Aliás, faz tempo que nós, empreendedores, vivemos nessa disputa e enfrentamos um leão por dia. 


Repetidamente, esbarramos nos obstáculos do próprio governo que deveria favorecer o desenvolvimento dos negócios e a livre iniciativa. 


A seguir, compartilho meus pensamentos sobre esse tema tão caro ao empreendedorismo e decisivo para o futuro dos nossos negócios. 


Inovar ou morrer: novos caminhos do empreendedorismo


Nos últimos anos, percebemos que a nova realidade do empreendedorismo é “mudar ou morrer”, diante de um cenário de mudanças rápidas e transformação digital.


Em resposta, temos nos empenhado em adotar soluções de alta tecnologia, aumentar a produtividade e também a competitividade de nossos negócios.


Ora, isso exige um comportamento completamente diferente do que era praticado até então em nossa cultura organizacional. 


Passamos a ter mais acesso à tecnologia e inovação, inclusive no que diz respeito ao tratamento do nosso capital humano. 


Também revisamos constantemente nossos processos de produção, sempre buscando racionalidade e eficiência.


Vários eventos, cursos, palestras, seminários, participações em feiras e publicações nos estimularam a evoluir nossa cultura de gestão, e fizemos questão de trazer esse aprendizado para dentro da empresa.


Nesse meio tempo, não faltaram cases de referência e estímulos para a busca da excelência em nossos negócios.


Lei da Liberdade Econômica: a vez do governo


Em apoio aos novos caminhos do empreendedorismo e empenho das empresas em inovar, o governo federal aprovou no segundo semestre de 2019 a Lei da Liberdade Econômica, com o objetivo de modernizar e simplificar nossa economia.

  


Por conclusão do próprio governo, fazer negócios no Brasil é muito caro, moroso e burocrático.


Fala-se muito, também, na urgente necessidade da reforma tributária, pois é desafiador para qualquer empresa conseguir operar sem cometer deslizes e seguir as incontáveis regras tributárias do país. 


Imaginem o custo que isso traz para empresa , que hoje é desafiada ter o processo operacional mais enxuto, racional e produtivo possível para se manter em condições de competir e conviver com as dinâmicas atuais do nosso mercado.


Com o propósito de melhorar esse cenário e apoiar o empreendedor, foi promulgada no segundo semestre de 2019 a Lei nº 13.874/2019, apelidada de Lei da Liberdade Econômica. 


Para contextualizar o tema, vejam o que diz o art. 1º parágrafo 6º do texto:


 “Para fins do disposto nesta Lei, consideram-se atos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização, no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação e outros.”


Pois bem, como empresário tenho a consciência que temos nos esforçado ao máximo para nos posicionar dentro da cultura de gestão necessária visando a saudável evolução dos nossos negócios.


Temos dado total atenção à tecnologia, e igualmente o máximo esforço e dedicação para que nosso capital humano tenha condições de evoluir, crescer e tornar-se parte importante e indispensável da trajetória da empresa.


Tudo é feito nesse sentido: avançar, prosperar e inovar. 


Mas quando vamos desenvolver tarefas ou ações que dependem dos órgãos públicos —  não todos, é claro —, em especial nos municípios, é complicadíssima a realidade que encontramos!


Mesmo quando seguimos as orientações da legislação federal como a Lei da Liberdade Econômica, muitos municípios simplesmente não atendem e até chegam a ignorá-la.


Solicitam, por exemplo, a “inscrição municipal” (que serve para pagarmos impostos municipais) e o alvará, exigindo uma relação inacreditável de documentos e informações.


Obviamente, isso vai de encontro ao esforço do segmento empresarial e, também, contra tudo o que demonstrou o governo federal ao defender a simplificação da vida do empreendedor.


Exemplo de burocracia que atrasa o empreendedor


Se querem um bom exemplo, vejam o que foi solicitado por uma prefeitura aqui do interior do Rio Grande do Sul para poder conceder a inscrição municipal e o alvará para uma empresa que está se instalando e, portanto, vai gerar impostos, empregos e renda para o município:


1.Ficha Cadastral Pessoa Jurídica — em anexo, preencher o item 4 com os dados contador responsável, imprimir em 1 via e coletar assinatura manuscrita da sócia xxx sem reconhecimento firma;

2.Ficha de Atividades Desenvolvidas — em anexo, imprimir em 1 via e coletar assinatura manuscrita da sócia xxx sem reconhecimento firma;

3.Apresentar comprovante de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) em anexo

4.Apresentar cópias dos RGs com CPF de cada um dos sócios

5.Apresentar cópia dos comprovantes de endereços de cada um dos sócios

6.Contrato Social registrado

7.Cópia autenticada da comprovação da posse do imóvel ou contrato de locação

8.Autorização de Uso do Imóvel com assinatura manuscrita da sócia xxx com reconhecimento firma

9.Apresentar o relatório da Viabilidade deferida 1 via com assinatura manuscrita do sócio xxx

10.Apresentar Viabilidade RSP2000167647 — imprimir em 1 via coletar assinatura manuscrita do sócio xxx sem reconhecimento firma

11.Apresentar a “Declaração de Ponto de Referência” — imprimir em 1 via coletar assinatura manuscrita do sócio xxxx com reconhecimento firma

12.Apresentar a Ficha de Quadro de Sócios —  imprimir em 1 via coletar assinatura manuscrita do sócio xxx sem reconhecimento firma.


É possível uma coisa dessas? Essa é a dura realidade que nós, empreendedores, enfrentamos no dia a dia.


Lutamos diariamente para operar com o que há de mais moderno, que proporciona maior produtividade e processos racionais, para assim alcançar um bom nível de competitividade.


Mas, na realidade, há um lado do próprio governo representado por órgãos públicos regionais que não acompanha a transformação que o mundo atual mostra e exige.


Ao contrário, se puderem complicam ainda mais a situação. 


Assim, mesmo seguindo os novos propósitos que o mercado exige, ainda convivemos com duas realidade opostas: a do empresário que busca o que há de mais moderno para conquistar vantagem competitiva, e, do outro lado, a do fantasma do atraso e do castigo da burocracia que faz o empreendedorismo parecer um grande pecado.


Até quando viveremos nessa dicotomia de buscar e praticar um propósito atual, moderno, mais útil à sociedade e por outro lado enfrentar um setor público que rema no sentido contrário, de prejudicar, atrapalhar e dificultar nosso trabalho?


Termino com essa questão em aberto para todos os meus clientes e parceiros refletirem — e, juntos, continuarmos lutando para transformar este país e derrubar os obstáculos que impedem o progresso.


Porto Alegre, 21 de julho de 2020.


José Luiz Amaral Machado


Diretor da Gerencial Auditoria e Consultoria.


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